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1. Por que o livro de Dan Brown chama-se O Código da Vinci?
O enredo do livro conta que, numa noite, o professor de simbologia Robert Langdon se vê obrigado a acudir ao Museu do Louvre, em que o assassinato do curador do museu deixa um misterioso rastro de símbolos e pistas. Com sua própria vida em jogo, Langdon, ajudado pela criptógrafa da polícia Sophie Neveu, descobre uma série de segredos ocultos. E o assassino é um monge do Opus Dei, encarregado pela Igreja.
Segundo as teorias deste livro, Leonardo da Vinci pertenceria a uma sociedade secreta, o Priorado de Sião, uma organização que teria como missão guardar e transmitir secretamente as “verdades” sobre o cristianismo: Jesus seria casado com Maria Madalena; essa deveria ser cultuada como deusa, para elevar o culto ao feminino; Jesus teria uma descendência com Madalena; a Igreja teria fraudado os evangelhos a seu favor para elevar o culto ao masculino (e determinar a autoridade masculina no cristianismo), etc. Tal sociedade secreta ainda teria por missão esconder o Santo Graal (os restos mortais de Maria Madalena).
2. Por que o livro teve sucesso?
O autor emprega técnicas bem atuais, calcadas nos filmes policiais e de espionagem: mudança rápida e contínua de cenário; desenrolar simultâneo de duas ou três tramas diferentes, mas entrelaçadas entre si; grande dose de violência, em boa parte gratuita; envolvimento de serviços secretos, com o emprego de técnicas sofisticadas. E não falta uma certa dose de erotismo, embora intelectualizado. Sobre isso, vai ainda uma cobertura de cientificismo barato e aparente erudição.
3. O livro é uma obra original?
O CDV (sigla usada daqui por diante para O Código da Vinci) não é uma obra original. O próprio Dan Brown, que, em geral, lança afirmações gratuitas, aludindo genericamente a supostas provas, faz uma exceção no capítulo 60, onde cita quatro obras, embora sem dizer quem são os autores. Trata-se dos seguintes livros: A Revelação dos Templários – Guardiões Secretos da Verdadeira Identidade de Cristo; A Mulher do Vaso de Alabastro – Maria Madalena e o Santo Graal; A Deusa nos Evangelhos – O Resgate do Sagrado Feminino; O Santo Graal e a Linhagem Sagrada. Nenhum deles teve grande repercussão no nosso meio, possivelmente por causa de seu estilo pseudo-erudito, pouco digerível para o grande público. Contudo, é certo que Dan Brown bebeu neles as suas idéias. É possível intuir uma dependência dos escritos de Pierre Plantard sobre o Priorado de Sião. O CDV não é original.
Dan Brown insere-se numa corrente literária neopagã, que pretende ressuscitar religiosidades perdidas, como os cultos de fertilidade do Oriente Médio, a mitologia germânica ou a céltica. Nesse tipo de literatura, apela-se para o mito do sagrado feminino, “apoiando-se” em manuscritos antigos, ocultos ou perdidos, nunca reproduzidos literalmente. E, nas páginas do Código, renasce o antigo problema teológico do cristianismo – a conciliação entre a dupla realidade, divina e humana, do Cristo – misturado ao velho panteísmo naturalista, encarnado no mito do sagrado feminino.
4. O livro é uma obra de ficção pura ou há mistura com a realidade?
Afirma o próprio Dan Brown, no seu site: “O CDV é uma novela e, conseqüentemente, um trabalho de ficção. Portanto, os personagens do livro e suas ações são obviamente não-reais”. Deveria ser entendido e tratado como tal. Porém, Dan Brown apresenta uma borrifada de fatos, nomes e lugares, que podem desconcertar o menos informado. O CDV se apresenta com pretensões de seriedade e de erudição. O A. enumera uma respeitável série de instituições, onde teria efetuado pesquisas, para depois afirmar erros históricos que fariam qualquer membro dessas instituições corar de vergonha ou de raiva. Contra o que é comum em romances e filmes, onde, normalmente, para evitar reclamações de indivíduos que possam sentir-se aludidos, se declara que qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é pura coincidência, Dan Brown coloca, logo no início, uma página com o título “Fatos”.
Há que examinar aquilo que Brown pretende que o leitor aceite sem discussão. Qualquer leitor atento poderá perceber que, ao contrário do que é afirmado, os tais “fatos” se distanciam fundamentalmente da realidade. Quem buscar informações a respeito daquilo que o A. afirma, encontrará uma vasta coleção de erros crassos cometidos por ele.
5. Por que a polêmica em torno do livro?
Brown não apresenta sua obra como simples texto para a fruição dos leitores. Parece estar firmemente convicto de que apresenta a verdade (como afirmou algumas vezes) Ou quer que os outros pensem isso. Brown quer ser romancista e professor simultaneamente. Essa confusão metodológica é, a um só tempo, a causa do sucesso e o “calcanhar de Aquiles” da obra. E os dois personagens centrais (o professor e a criptógrafa) são, na verdade, Dan Brown e o leitor, que fica o tempo inteiro aprendendo...
Sistematicamente propõe-se derrubar o que, por mais de dois mil anos, tem sido patrimônio espiritual de cristãos de todas as tradições, no Oriente e no Ocidente. Há o questionamento sutil dos princípios cristãos, não de uma vez, mas lentamente, de modo insinuante. Sem perceber, o leitor acaba por querer descobrir não o autor do assassinato do curador do Museu do Louvre – como seria lógico num romance policial – mas o terrível segredo escamoteado durante séculos e que causa arrepios no mundo inteiro, sem que ninguém saiba exatamente do que se trata. Por isso também, no final, o romance resulta extremamente decepcionante: os guardiões do segredo não estão dispostos a revelá-lo e o velho professor de semiótica, transformado em detetive, se contenta com uma contemplação imaginativa à luz das estrelas.
Um livro com tais características não poderia deixar de suscitar grande número de comentários. Basta constatar a literatura polêmica em torno de O Código Da Vinci. Contra o que se poderia esperar, por ser a obra de Dan Brown fundamentalmente anticatólica, há também refutadores protestantes numerosos. Podem-se citar-se alguns livros, vários dos quais já foram traduzidos para o português: Decodificando Da Vinci; Quebrando o Código Da Vinci; Revelando o Código Da Vinci; A Fraude do Código Da Vinci; Os Segredos do Código. Seria interminável citar as recensões e os artigos aparecidos em revistas e jornais. É, pois, um livro lido e discutido, que provocou uma certa confusão mental em numerosas pessoas, incluindo alguns católicos.
Ora, pode ver-se, com certa facilidade, um bom número de inexatidões e mesmo de falsidades veiculadas no “Código”. Para provar essa afirmação, cabe examinar alguns aspectos bem concretos da obra, a fim de mostrarmos as suas contradições internas e as suas falhas históricas e científicas.
A) O PRIORADO DE SIÃO
6. Existe um Priorado de Sião?
Um dos inúmeros erros de Brown em seu livro, que o desqualifica como verdade histórica, é a primeira afirmação de Brown (o primeiro dos “fatos”), na qual baseia todo o livro: “O Priorado de Sião – sociedade secreta européia fundada em 1099 – existe de fato. Em 1975, a Biblioteca Nacional de Paris descobriu pergaminhos conhecidos como os dossiês secretos, que identificavam inúmeros membros do Priorado de Sião, inclusive Sir Isaac Newton, Botticelli, Victor Hugo e Leonardo da Vinci”.
O Priorado de Sião realmente existiu? Sim, mas foi criado somente em 1953, em pleno século XX. O pedido de oficialização do Priorado foi efetuado em 1956, na Sub-Prefeitura de Saint Julien-en-Genevois, mediante uma carta assinada pelos quatro fundadores. Tal Priorado foi de vida curta e efêmera, pois teve que ser refundado outras duas vezes, até desaparecer por completo, em poucos anos.
Um dos fundadores, Pierre Plantard (1920-2000), escreveu o romance L’Or de Rennes, um fracasso do ponto de vista editorial. Plantard, embora não citado, é claramente uma outra das fontes utilizadas por Dan Brown. Ainda mais, no decorrer do romance, acabamos por saber que o verdadeiro sobrenome de Sophie Neveu, criptógrafa da polícia francesa e neta do assassinado Jacques Saunière, seria Plantard.
Mas quem foi esse Pierre Plantard? Inicialmente, anti-semita, colaborou com o Governo de Vichy. Fundador, nos anos 40, de duas Sociedades inconsistentes – Rénovation Nationale Française e Alpha Galates. Foi condenado por corrupção de menores, em 1956. Escritor fracassado de romances, como o já citado L’Or de Rennes, buscou a fama através da falsificação de documentos, introduzidos em diversas bibliotecas, especialmente na Nacional de Paris (os famosos “dossiês secretos”, citados por Brown), para apoiar suas fantasias (aliás, alguém que pretende esconder documentos secretos os põem numa biblioteca pública?).
Plantard inventou que o Priorado existia desde o século XI e que guardava a dinastia merovíngia, da qual ele fazia parte. Teria o direito de restaurar a monarquia na França, da qual ele seria representante. Propalou que, da fantástica linhagem da Madalena, teriam sobrevivido só duas famílias, Plantard (a dele!) e Saint Clair, unidas como “Plantard de Saint Clair”. O jornalista francês Jean-Luc Chaumeil desmascarou as imposturas de Plantard, nos anos 80, e publicou vários livros sobre o assunto: Plantard criou os falsos “Dossiês Secretos”. Isso tudo foi mostrado também pela BBC, em 1996. O próprio Plantard confessou tudo à justiça francesa. Portanto, uma fraude já desmascarada. Há na França três locais onde qualquer pessoa pode obter documentação judicial e criminal sobre Pierre Plantard, a saber: a Prefeitura de Polícia de Paris, a Sub-Prefeitura de Saint-Julien-en-Genevois e o Tribunal de Grande Instância de Thonon les Bains.
B) O OPUS DEI
7. O que é o Opus Dei na realidade?
Dentre os “fatos” alegados no início de livro, o segundo da lista ataca o Opus Dei.
Ora, o Opus Dei (que quer dizer “obra de Deus”) é um grupo de pessoas comuns, homens e mulheres, espalhados por 60 países, que procuram viver ao máximo o fato de serem discípulos de Cristo, buscando a santificação da vida comum, especialmente o trabalho, buscando também levar os familiares, amigos e colegas de profissão a conhecerem e viverem o Evangelho. Foi fundado em Madrid, a 2 de outubro de 1928, por São Josemaría Escrivá. São atualmente 84.000 membros, 98% de leigos e leigas, a maioria casados, os demais solteiros por opção e que vivem nos centros do Opus Dei, e uns 2% de sacerdotes, escolhidos dentre os membros celibatários, que estão ligados juridicamente ao prelado do Opus Dei. Portanto, não há nem houve jamais monges ou frades no Opus Dei.
O Opus Dei não é uma “Prelazia do Vaticano”, mas uma “Prelazia pessoal” da Igreja Católica, ou seja, não está ligada a nenhum território, mas à qual o indivíduo se vincula pessoalmente, independentemente onde viva, sob a direção de um prelado, e cuja sede está em Roma, e que desenvolve um tipo próprio de espiritualidade católica. Obviamente, é uma instituição aprovada pelos papas que a conheceram e que se submete ao papado, mas não se pode dizer que o papado está intimamente ligado a ela, como se ele a controlasse diretamente ou vice-versa. O prelado do Opus Dei responde à Sagrada Congregação para os Bispos.
Dan Brown se refere, direta ou indiretamente, ao fundador do Opus Dei, São Josemaría Escrivá. Sua obra mais conhecida, Caminho, traduzida em numerosas línguas e reeditada inúmeras vezes apresenta um tipo de espiritualidade militante, muito concreta na aplicação para a vida comum. Não convida, como os fundadores da vida monástica, à “fuga do mundo”, mas, ao contrário, a uma inserção plena na dinâmica do temporal. Não é à toa que o Papa João Paulo II o chamou “santo do cotidiano”, na cerimônia de canonização, diante de, aproximadamente, meio milhão de pessoas.
8. O que faz o Opus Dei?
O Opus Dei proporciona meios de formação espiritual e atendimento pastoral aos seus próprios fiéis e também a muitas outras pessoas. O que se procura sempre é estimular a prática dos ensinamentos do Evangelho pelo exercício das virtudes cristãs e pela santificação do trabalho profissional. A finalidade do Opus Dei é contribuir para a missão evangelizadora da Igreja, promovendo entre os cristãos uma vida coerente com a fé nas circunstâncias comuns da vida, especialmente pela santificação do trabalho. Santificar o trabalho significa trabalhar segundo o espírito de Jesus Cristo: realizar as tarefas próprias com perfeição, para dar glória a Deus e para servir os outros, e assim contribuir para santificar o mundo, tornando presente o espírito do Evangelho em todas as atividades e realidades seculares honestas.
Ainda cabe dizer que existem muitos milhares mais, ligados espiritualmente ao Opus Dei, pois entenderam e procuram aplicar a sua mensagem de buscar o encontro com Deus na vida comum. São muitíssimos leigos e sacerdotes. Esses últimos não são da Prelazia do Opus Dei e sim obedecem cada um ao seu respectivo bispo.
9. A mortificação corporal é uma prática perigosa?
A mortificação corporal não é uma “prática perigosa”, como afirma Brown, mas uma tradição da Igreja católica, baseada no exemplo do próprio Jesus, que, conforme os relatos evangélicos, jejuou quarenta dias e quarenta noites. Aliás, é uma tradição que remonta ao judaísmo, passando, por exemplo, por São João Batista, que vivia no deserto alimentando-se, segundo o Evangelho, de gafanhotos e mel silvestre. Sem dúvida uma dieta que não utilizam os membros do Opus Dei, que pelo menos nos dias festivos gostam muito de tortas e sorvetes, mas que sabem moderadamente fazer penitência. Ainda hoje, a Igreja prescreve para todos os católicos, a partir dos dezoito anos de idade, até completar cinqüenta e nove, a obrigação de jejuar na quarta-feira de cinzas e na sexta-feira santa, assim como fazer, todas as sextas-feiras do ano alguma obra de penitência. O que não é admissível é o tipo de mortificação que Brown descreve de modo sádico; aliás, ela seria impossível, porque teria conseqüências bem graves para a saúde de quem a praticasse. Silas, o executor do curador do Museu do Louvre, parece um “super-homem”, pois, após horrorosas flagelações, continua com capacidade para correr, pular muros e desenvolver uma força incrível.
Ou seja, o judaísmo e o cristianismo sempre levaram a sério o sacrifício, a penitência e a mortificação. Mas o ser humano em geral está familiarizado com fazer sacrifícios, e muitas vezes, por necessidade, ambição, prazer, diversão ou vaidade. Basta lembrar as filas em frente a restaurantes, casas noturnas, por causa de shows ou partidas de futebol, depilações, dietas e cirurgias plásticas. Sempre se está disposto a algum sacrifício, quando está em jogo um bem que se considera maior. É o caso da Igreja Católica e, portanto, do Opus Dei. Nesse caso, os bens espirituais.
10. E o poderio econômico do Opus Dei?
Quanto ao Opus Dei e ao seu poderio econômico, guardadas as devidas diferenças, é o mesmo problema de todos os institutos de vida consagrada, nos quais sempre houve e sempre haverá a questão da vivência da pobreza evangélica ao lado da necessidade de meios materiais para o exercício do apostolado e para a vida dos próprios membros. No caso do Opus Dei, ainda há outra questão. Vivendo no mundo e exercendo os seus membros, na sua grande maioria, profissões liberais, cabe distinguir entre o que é da Obra e o que é de cada um dos seus membros. A maior parte do que se diz ser do Opus Dei, na verdade são as chamadas “obras corporativas”, de iniciativa, direção e propriedade de grupos de pessoas, mas não da Prelazia.
11. O Opus Dei é difícil de entender?
Sem entender o que o catolicismo prega, é impossível entender o Opus Dei. Só uma pessoa de formação católica consistente pode entender e viver o Opus Dei. Ademais, seu estilo de vida não é para qualquer um, pois é exigente na busca do exercício de virtudes e no plano de vida espiritual.
12. O Opus Dei é para todos os católicos?
Mas nem todos os católicos – ou significativa parte – precisam ser do Opus Dei. Afinal, a Igreja Católica vive uma unidade, mas não uma uniformidade. E nem o quer. A Igreja, presente em todo o mundo, entende que não é possível fazer com que todos vivam do mesmo modo. Por isso, desde sempre, o catolicismo ofereceu aos seus fiéis diversas modalidades dentro da vida cristã. Todas essas modalidades de vida são centralizadas num único ponto, numa única fé: Jesus Cristo e seus ensinamentos. Assim, qualquer que seja o modo de vida do católico, ele deve estar enraizado na doutrina e moral oficial da Igreja. Dessa forma, todos os católicos têm certas obrigações comuns: crer na Santíssima Trindade, orar, ler a Bíblia, receber os sacramentos (batismo, eucaristia, confissão...), procurar viver virtudes e evitar o pecado, participar da missa, ao menos aos domingos, preocupar-se com o próximo, seguir os mandamentos, não utilizar métodos anticoncepcionais não-naturais, defender a vida contra o aborto, etc. Mas cada um pode fazê-lo a seu modo, desde que o faça. É aí que surgem os vários segmentos da Igreja, unidos, mas não iguais. Apenas o acento é diferente (espiritualidades) numa comum espiritualidade católica. Todos são unidos pela doutrina católica, mas a vivem diferentemente. É nesse contexto que se insere o Opus Dei: busca-se a santidade a partir das pequenas coisas que compõem a vida comum, procurando tudo cumprir por amor a Deus. Essa Prelazia segue a doutrina católica, pura e simplesmente, não tendo sequer teologia ou liturgia próprias. E ninguém é obrigado a entrar ou permanecer no Opus Dei.
13. Existe um Silas do Opus Dei?
No livro, Silas é um “monge assassino” do Opus Dei, gigante, albino. Existe um Silas do Opus Dei, mas não é nada disso. O Silas verdadeiro é um corretor, casado, de estatura média, negro, nascido na Nigéria e residente no Brooklyn, em New York. Seu nome é Silas Agbim. Se Brown conhecesse a prelazia, ele poderia ter colocado um padre ou até mesmo um leigo como membro do Opus Dei no seu romance. Mas nunca um monge.
Já o terceiro dos “fatos” citados por Dan Brown, no início do livro, precisa ser desdobrado nos próximos itens. O terceiro “fato” tem a seguinte formulação: “Todas as descrições de obras de arte, arquitetura, documentos e rituais secretos neste romance correspondem rigorosamente à realidade”. Vejamos as principais descrições.
C) LEONARDO DA VINCI E SUAS OBRAS
14. Da Vinci é o sobrenome de Leonardo, como dá a entender o título do livro?
O título faz intuir algo errado: que Da Vinci fosse o sobrenome de Leonardo. Vinci é o lugar onde Leonardo nasceu, nas cercanias de Florença, mas que, em nenhum momento, serve para a trama. Se ele compusesse “O Código de Assis”, poder-se-ia até ligar a São Francisco de Assis, mas não necessária ou exclusivamente. Assis também não foi o sobrenome de São Francisco, e sim é a cidade de procedência.
15. Leonardo da Vinci, como membro do Priorado de Sião, teria transmitido as idéias, através de códigos secretos em suas obras de arte?
Ora, já vimos que era impossível Leonardo ser membro de uma organização que surgiu apenas no século XX. E quanto aos códigos, não passam de especulação! Não existe nenhuma afirmação de Leonardo que comprove isso! Uma análise séria de suas obras não mostra nenhum código escondido. Tudo o que Brown faz são suposições, que poderiam ser feitas sobre qualquer obra artística. Enfim, não há nenhum documento histórico que comprove que Leonardo deixava “recados” escondidos em suas obras. Basta pensar em por que Leonardo deixaria um código escondido num quadro encomendado para um refeitório de frades, p. ex. De qualquer forma, é interessante analisar as obras referidas por Brown, para vermos até onde o autor do CDV usa sua criatividade mirabolante.
16. O quadro da Última Ceia é um afresco?
Dan Brown chama várias vezes essa obra de afresco. Mas ela não é, nem de longe, um afresco! É uma técnica de óleo e têmpera sobre gesso. Por isso está tão deteriorado e foi retocado várias vezes (não restaurado). Foi feito para e está no refeitório do Convento de Santa Maria delle Grazie em Milão.
17. O quadro da Última Ceia de Leonardo mostra o momento da instituição da Eucaristia?
Brown parece ignorar que Leonardo se inspirou na descrição do Evangelho de São João e, mais especificamente, no momento em que Jesus anuncia a traição e os Apóstolos perguntam quem será o traidor. Portanto, A Última Ceia, baseada no Evangelho de João, não retrata a instituição da Eucaristia (relatada nos outros Evangelhos, mas apenas suposta no de João).
18. Na Última Ceia, realmente falta o cálice de Cristo?
Brown se maravilha de que Jesus, assim como todos os apóstolos, não tenha, diante de si, um cálice com a forma clássica que conhecemos, mas sim, ao todo, treze taças! Estaria, pois, faltando o “Santo Graal”. A verdade é que João, no seu Evangelho, embora a suponha, não narra a instituição da Eucaristia. Por isso, Leonardo não precisava pintá-la. Além disso, pretendendo ser fiel à tradição judaica, colocou diante de cada um dos comensais, tal como ainda hoje se faz na Páscoa judaica, o mesmo tipo de recipiente para o vinho: uma espécie de tigela para cada um. Do mesmo modo, também todos têm pão na sua frente. Se há inexatidão histórica, nesse caso, não é em Leonardo e sim nos outros pintores. E há que lembrar: a última ceia foi a ceia pascal, ritual judaico, onde havia quatro momentos rituais para tomar vinho.
19. No quadro da Última Ceia as figuras estão distribuídas de modo estranho?
Para Brown, as figuras estão distribuídas de modo estranho. Ao contrário, seguem uma disposição bastante comum na pintura renascentista: a fim de evitar a sensação de desordem, encontram-se distribuídos em grupos de três, enquanto o Senhor fica como que isolado, no meio deles. Ainda mais, Pedro não faz nenhum gesto ameaçador contra João (que Brown pretende seja Maria Madalena), mas, com a mão sobre o ombro do filho do Zebedeu, cochicha ao ouvido dele, conforme o Evangelista narra, para pedir que pergunte ao Cristo quem é o traidor. Por isso, entre João e Jesus, aparece um vão, que nada tem a ver com um suposto V, símbolo do feminino. Os corpos deles não se “tocam”, como diz Brown; apenas os cotovelos estão próximos. E no caso específico desse grupo de apóstolos, estão representados João, Pedro e Judas, agrupando as três atitudes diante da Paixão: João não trai nem abandona Jesus; Pedro negou (traiu), mas voltou arrependido; Judas traiu, mas não voltou (desesperou e enforcou-se).
20. A figura de João está representada de modo esquisito?
A figura do Apóstolo João, à direita de Jesus, nada tem de esquisito. Responde à iconografia corrente em quase todos os pintores (e não vamos supor que todos foram esotéricos): é a figura de um jovem imberbe, quase um adolescente (no Renascimento muitas figuras masculinas foram retratadas com aspectos afeminados para dar mais pureza nesses personagens). De fato, a tradição sempre viu nele “o discípulo virgem”; ainda mais, João teria vivido até bem perto do ano 100 da nossa era, o que faz supor que era bem novo no momento da morte de Jesus. Basta ver que, neste mesmo quadro, há um outro personagem retratado desta maneira: Filipe (o terceiro à esquerda de Jesus).
21. No quadro, Leonardo representou Maria Madalena em lugar de João?
O próprio Leonardo tira qualquer dúvida: nos esboços do quadro encontramos devidamente nomeados João e Pedro conversando fora da mesa e depois transladados para a mesa. Portanto, não há qualquer margem de dúvida: não é Maria Madalena, mas São João. Ademais, se a pessoa à direita de Jesus fosse Maria Madalena, onde está o apóstolo João? A ceia então teria sido com os onze apóstolos e João ficaria fora para dar lugar “na foto” a Maria Madalena?
22. E o quadro da Madona dos Rochedos?
Um outro quadro sobre o qual se detém Dan Brown é o da Madona dos Rochedos, expressão da originalidade de Leonardo. A falta de conhecimento de Brown sobre a obra é evidente. Já na descrição do tamanho do quadro ele erra: “Com um metro e cinqüenta, a tela quase escondia o corpo da moça”. Ora, sabe-se o tamanho exato da obra: 199 x 122 cm e não um metro e cinqüenta. Outro equívoco de Dan Brown foi afirmar que essa tela foi encomendada pelas freiras da Confraria da Imaculada Conceição. Acontece que não havia freiras nessa Confraria, mas apenas padres! E quando Sophie se sente ameaçada por um guarda do Louvre, afirma Brown, pega o quadro e usa-o como escudo. Ora, além de o quadro ser muito grande, é muito pesado (mais de 100 kg com a moldura), o que torna impossível a cena descrita por Brown.
Segundo Brown, essa obra foi feita em duas versões, porque as freiras da Confraria (que não existem!) teriam recusado a primeira versão e exigido uma versão mais branda, menos ameaçadora. Ora, sabe-se muito bem que a existência de duas versões de A Madona dos Rochedos se deve ao fato de que Leonardo quis vender a obra a um amante de arte que lhe oferecera muito mais do que a Irmandade estava preparada para pagar. E assim foi feito, o tal amante de arte, possivelmente Ludovico Sforza, comprou a primeira versão e, cerca de 20 anos mais tarde, a Confraria comprou uma segunda versão.
23. No quadro da Madona dos Rochedos, João Batista abençoa Jesus?
O que Brown afirma sobre a obra é uma confusão total. Afirmar que Maria tem “no seu colo” a Jesus, que estaria sendo abençoado por São João Batista, equivale a confessar que não olhou realmente a pintura. Nela, Maria está apenas amparando, com o braço direito, uma figura de criança que segura um cajado encimado por uma cruz, e que claramente é o Batista. De fato, na sua cintura, há nitidamente um cinturão de pele de camelo, o que corresponde à descrição costumeira do Batista; a mesma coisa se diga do cajado, embora Leonardo, num evidente anacronismo, lhe tenha dado uma forma de cruz. Para não haver dúvida, a figura de Jesus, que se encontra sentado no chão e abençoa o Batista, é claramente de tamanho menor do que a de João, pois entre os dois havia uma diferença de idade de seis meses.
24. E a Monna Lisa, esconde uma etimologia secreta?
Dan Brown também cita o famoso quadro da Monna Lisa. Leonardo pintou-o entre 1503 e 1506, empregando a conhecida técnica do sfumato. Parece que nunca o deu por concluído. Talvez por isso, não lhe deu título algum. O nome Monna Lisa foi-lhe atribuído por Giorgio Vasari, em 1550; portanto, trinta e um anos após a morte de Leonardo. Mais tardio ainda é o nome de La Gioconda, assim chamada por Cassiano del Piombo em 1625, por pensar que fosse o retrato de Lisa (ou Elisa) Gherardini, mulher do rico comerciante florentino Francesco dal Giocondo. É fácil, portanto, ver que as especulações de Dan Brown sobre o nome Monna Lisa, como revelador de um segredo de Leonardo, carecem de qualquer fundamento objetivo. O pintor não poderia ter especulado sobre um nome que nem deu ao quadro e nem sequer chegou a conhecer. Além disso, a pretensa etimologia alegada por Brown (Amon l´Isa), que seria um acróstico dos deuses egípcios Amon e Isis, não se sustenta cientificamente. A duplicação do n em Monna, impede qualquer semelhança, além de que o artigo l’ surge do nada.
D) “PROVAS” CIENTÍFICAS E HISTÓRICAS
Ao longo do livro, Dan Brown pretende dar “provas” científicas do que afirma. Até se arrisca a apresentar alguns fatos matemáticos, como a seqüência de Fibonacci e o número phi. Só que as suas afirmações rotundas revelam ousadia demasiada e infundada.
25. Existe a constante universal phi, assim como descreve Dan Brown?
Como se pode afirmar que a proporção entre a estatura de uma pessoa, de um lado, e a distância entre seu umbigo e a ponta dos pés, do outro, é rigorosamente igual para todos os indivíduos? Há indivíduos com pernas proporcionalmente mais compridas. Por exemplo, os anões, cujo tórax é normal, mas que têm pernas muito curtas, não respondem à mesma proporção que as pessoas comuns. A mesma coisa se diga da afirmação de que a proporção entre obreiras e zangões, numa colméia, é sempre exatamente o número phi. Num grupo tão numeroso, onde há mortes constantes por causas fortuitas, para manter tal proporção, seria necessária uma recontagem diária e uma eliminação de indivíduos do grupo que estivessem fora do parâmetro. Tal coisa nunca foi comprovada.
26. E os documentos secretos, ignorados ou escondidos pela Igreja Católica?
Mas onde se revela mais claramente o espírito pseudocientífico de Brown é nas alegações acerca de documentos secretos, ignorados ou escondidos pela Igreja, que demonstrariam as suas teses. Trata-se, fundamentalmente, de três fontes: os escritos gnósticos dos chamados papiros de Nag Hammadi, os manuscritos do Mar Morto, achados nas cavernas de Qumran e o hipotético escrito Q, que muitos estudiosos do Novo Testamento alegam ter existido antes dos Evangelhos canônicos. Não são secretos, ignorados ou escondidos pela Igreja.
27. O que são os papiros de Nag Hammadi?
Os papiros de Nag Hammadi são os restos de uma biblioteca gnóstica, achados no Egito em 1945. Dos algo mais de cinqüenta textos, menos de dez (e não mais de oitenta, como afirma Dan Brown) têm o título de Evangelho, sendo o mais importante o chamado Evangelho de Tomé. Não pertencem ao Vaticano, e todos eles estão editados e traduzidos para os diversos idiomas, inclusive o português. Não se vê como seria possível uma conspiração “do Vaticano” para ocultá-los.
Na linguagem simbólica, própria do gnosticismo, fortemente influenciada pelo pensamento grego, apresentam uma concepção fortemente dualista, onde a matéria é algo oposto à Divindade; prisão da alma, que é a verdadeira centelha divina. A mulher é tão desprezada pelos seguidores daquela seita que chegam a afirmar que Jesus estava pensando em transformar a Madalena em homem, para que fosse capaz de atingir a plenitude do conhecimento. O sexo e o matrimônio são neles condenados, pois a interrupção da procriação seria o único meio de libertar o ser humano de sua atual condição degradante. Como facilmente se percebe, essas idéias são diametralmente opostas ao acentuado sexismo e à adoração do sagrado feminino e da mãe natureza que Brown pretende ver como o cerne da “verdadeira” pregação cristã.
Além disso, não se pode esquecer que os Evangelhos gnósticos são, pelo menos, cem anos posteriores aos canônicos. Por que, então, privilegiar, como fonte de informação o posterior sobre o anterior? Não houve ocultação da verdade, por parte da Igreja Católica. Ao depois, há um item sobre os apócrifos.
28. Os manuscritos do Mar Morto contam a verdade sobre o Santo Graal?
A segunda fonte documental que Brown cita, mas também sem aduzir nenhum texto concreto, são os chamados Manuscritos do Mar Morto. De onde tirou que os Manuscritos do Mar Morto, “descobertos na década de 50”, “contam a verdadeira história do Graal”, ou que o Vaticano, “mantendo sua tradição de enganar os fiéis, tentou com todas as forças evitar que esses manuscritos fossem divulgados”? Os Manuscritos do Mar Morto foram descobertos em 1947, não falam absolutamente nada sobre o Graal ou sobre Jesus, estão muito bem custodiados pelo Estado de Israel, onde pesquisadores de todos os credos trabalham livremente com eles, e todos os estudos até agora feitos apenas corroboram aquilo que a Bíblia sempre ensinou no Antigo Testamento.
Trata-se de pergaminhos (a maior parte) e de alguns poucos papiros, encontrados em onze cavernas de Qumran, nas encostas do Mar Morto. A grande maioria encontra-se atualmente em Jerusalém, no “Santuário do Livro”. O Vaticano não é proprietário deles; por isso também não poderia ocultá-los. Embora com muita lentidão, o seu conteúdo foi totalmente editado, não se podendo falar mais de textos ocultos. Exceto, talvez, alguns pequenos fragmentos da caverna 4, todos os manuscritos são anteriores a Cristo, pelo que não podem conter nenhuma notícia acerca dele. Também não há neles o mínimo rasto da pretensa religião naturalista que Brown pretende ver por toda a parte. Ao contrário, alguns dos manuscritos do Mar Morto apresentam um tipo de espiritualidade rigorista, com forte acento apocalíptico, e com pretensões de conservar o javismo autêntico, por serem provenientes da seita judaica dos essênios. Porém, boa parte dos manuscritos é de enorme importância, por serem as mais antigas cópias de textos do Antigo Testamento.
29. O que dizer do escrito Q?
A terceira fonte documental nomeada por Dan Brown é um escrito hipotético. Perante as coincidências manifestas dos três evangelistas sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), muitos estudiosos avançaram a hipótese de que, antes dos Evangelhos canônicos, teria havido uma coleção de ditos de Jesus, à qual deram o nome de Q (do alemão Quelle, ou “fonte”). Tal hipótese parece plausível, mas até agora não foi comprovada documentalmente. Por isso, todas as afirmações sobre os conteúdos literais de Q e sobre a autoria atribuída ao próprio Cristo não passam de pura especulação.
30. A igreja de Saint-Sulpice de Paris foi construída pelos templários?:
Se o autor de O Código Da Vinci é fraco na citação de documentos históricos, ainda comete outros graves erros na descrição dos lugares onde situa o seu romance.
Um cenário focalizado por Brown é a igreja de Saint-Sulpice, em Paris. O templo atual foi construído entre 1642 e 1745, bem longe da época dos templários, os quais Brown parece querer conectar com essa construção. A chamada “linha rosa”, contra o que afirma o nosso autor, não passa por esse templo. O meridiano marcado no seu interior não é mais do que um imenso relógio solar, tendo o obelisco a função de indicar o meio-dia. Não há, portanto, nenhum mistério escondido nele. Templos cristãos com indicações astronômicas são relativamente freqüentes. Servem de exemplo a igreja de São Petrônio em Bolonha (Itália), também com um meridiano, ou a catedral de Toledo (Espanha), onde um vitral permite que, no equinócio da primavera, o sol ilumine diretamente o sacrário da capela do Santíssimo.
31. Os templos góticos foram construídos pelos templários?
Quanto aos templos góticos, que Brown liga aos templários: é completamente falso que as grandes catedrais góticas da Europa tenham sido construídas pelos templários. Foram as dioceses, com os seus bispos à frente que começaram essas construções grandiosas, já antes da fundação da Ordem templária, e as concluíram bem depois da sua dissolução.
E ver na nave de uma catedral gótica a estrutura do útero feminino ultrapassa qualquer mente freudiana. A arquitetura gótica expande o espaço ao máximo, aproveitando os recursos arquitetônicos disponíveis naquela época: arco em ogiva, abóbada apoiada em nervaturas e arcobotantes. Nenhum crítico da história da arte alegou nada semelhante ao que Brown afirma.
32. A Temple Church foi construída em honra do sol?
A Temple Church de Londres é, de fato, uma das poucas igrejas templárias que restam. Construída em 1185, foi destruída por completo, durante os bombardeios alemães a Londres, mas reconstruída após a Segunda Guerra Mundial. É atualmente um templo anglicano, com culto regular, onde seria impossível esconder os segredos que Brown insinua terem estado lá enterrados. A mesma coisa se diga da Capela Rosslyn, na Escócia, uma verdadeira jóia arquitetônica e um templo com intenso culto, pois é usado muito freqüentemente para casamentos. Não fica fechada durante a semana, nem está confiada a uma velha senhora, mas tem clero anglicano e sacristãos para cuidar dela.
A afirmação de Dan Brown de que a “Temple Church, em Londres, é redonda em honra ao sol” é um erro arquitetônico grave. Sabe-se que cada igreja redonda, construída pelos templários na Europa, é, na verdade, uma referência à igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém. Também porque os cavaleiros assistiam à missa em volta do altar. A Temple Church, consagrada em 1185, não foge a essa regra.
33. A pirâmide do Museu do Louvre, como afirma Brown, tem 666 vitrais?
Continuando com as questões arquitetônicas: o Museu do Louvre e a sua discutível pirâmide de vidro. A construção dela foi encomendada, mediante concurso público mundial, ao arquiteto sino-americano Ieoh Ming Pei. Terminada em abril de 1989, compõe-se, não de 666 vitrais, como quer Brown, mas de 673, consoante informa o próprio Museu. Pensar que, numa obra construída em nosso tempo, sob o olhar curioso dos parisienses, tenha sido possível esconder, sem que ninguém o visse, o esquife contendo os restos de Maria Madalena e vários caixotes de documentos, é algo tão irreal que nem merece uma refutação.
34. A primeira casa real da França guardou a descendência de Cristo?
Quanto aos personagens históricos, a imaginação de Dan Brown descamba incontida – embora não de maneira original – em relação aos merovíngios. Uma fração da tribo dos francos sálicos, recebe o seu nome de Merovech, avô do rei Clóvis. Este, que reinou de 481 a 511, era pagão e se converteu ao catolicismo, por influxo de sua esposa, a princesa burgúndia Clotilde, e do Bispo São Remígio, que o batizou. Teria sentido tal conversão, se Clóvis fosse descendente de Cristo, como Brown pretende? Aliás, em toda a Idade Média, não há uma única referência a tal descendência. Quando, bem mais tarde, foi instaurada a dinastia dos Capetos, pretendendo glorificar as origens da monarquia francesa, foi inventada uma outra lenda bem diferente: os merovíngios seriam descendentes de Enéas e dos troianos.
35. Paris foi fundada por Merovech no século V da nossa era?
A ignorância histórica de Brown chega a afirmar que Paris teria sido fundada por Merovech. Só que ela existia desde muito antes e já é citada por Júlio César, no De Bello Gallico, como “Lutetia Parisiorum”.
36. O Rei Dagoberto II foi assassinado a mando do Vaticano?
Na sua obsessão anti-romana, Brown chega a afirmar, sem aduzir nenhuma fonte, que o Rei Dagoberto II, teria sido assassinado, em 679, “pelo Vaticano, em conluio com Pepin d’Héristal”, pai natural de Carlos Martel. Logicamente, o nosso autor é incapaz de citar um único documento que sirva de base a tal hipótese peregrina. É oportuno lembrar que a residência oficial dos Papas, até 1305, era o Palácio de São João de Latrão e não o Vaticano, para onde os Pontífices se mudaram unicamente após a volta de Avignon, quase setecentos anos após a morte de Dagoberto!
37. E o que dizer do Santo Graal?
Ao falar do Santo Graal, apoiando-se em grafias extremamente duvidosas, Brown tira conclusões falsas. Graal, conforme todos os estudiosos, provém do latim cratalis ou gradalis, quer dizer, um vaso em forma de cratera. Podemos comprovar que pelo menos uma parte da tradição conservou a lembrança dessa forma. Veja-se, por exemplo, o “Santo Grial” da Catedral de Valência, na Espanha, onde se observa, com clareza, que a haste não estava unida, em sua origem, à taça e que esta é especificamente uma cratera. O Santo Graal seria, portanto, a forma moderna de Sanctus Cratalis. Carece de sentido a etimologia proposta por Dan Brown: sang-real ou sangue real. Na falsa etimologia de Brown (sang-real), as palavras ficam truncadas, pois o C ou G de cratalis é separado desse vocábulo e juntado arbitrariamente ao anterior; por igual, os dois a de Graal, por arte de mágica, viram ea, mudando por inteiro o significado da palavra originária. Além disso, leve-se em conta que toda a saga do Rei Artur e dos cavaleiros da Távola Redonda, que inspirou tantas obras literárias, teria um significado bem diferente daquele que lhe foi atribuído ao longo de todos os séculos.
A lenda do Graal originou-se do mal-entendimento de uma frase de Jesus: “Quem beber deste cálice viverá eternamente”. Basta lembrar o filme “Indiana Jones e a última cruzada”. Na verdade, Jesus não falava da imortalidade neste mundo, mas da Eucaristia como penhor de vida eterna.
No seu afã de encontrar simbolismos sexuais por toda a parte, Brown apela para a interpretação fálica da espada (ou “lâmina”) e feminina do “cálice”. Será que alguém, até agora, encontrou, no Novo Testamento, qualquer texto que dê lugar a tais interpretações?
38. A estrela de Davi é prova de tendências religiosas tipicamente sexuais?
Brown apela para a “Estrela de Davi” (dois triângulos eqüiláteros entrelaçados) como a demonstração de que, na tradição judaica, estavam presentes, desde o início, tendências religiosas tipicamente sexuais. Acontece que esse símbolo, conhecido também como magen ou “escudo de Davi”, não foi associado com o judaísmo antes de bem-avançada a Idade Média. Nas moedas do antigo Israel e nas decorações das sinagogas mais primitivas, o único símbolo constante é a menorah ou candelabro de sete braços, que se encontrava no Templo de Jerusalém e foi levado, como botim, pelas tropas de Tito.
39. E o pentagrama?
Também a respeito dele Dan Brown comete toda uma série de inexatidões. É falso que, como ele afirma, a órbita do planeta Vênus seja exatamente um pentágono. No máximo, poderia lembrá-lo, de longe.
40. E as afirmações sobre as olimpíadas contidas no livro?
É inexato dizer que as olimpíadas da antiga Grécia estavam dedicadas a Vênus e que, por isso, se celebravam cada cinco anos. A verdade é que estavam dedicadas a Zeus Olímpico e que aconteciam cada quatro anos. Essa é também, logicamente, a freqüência atual, não obstante os simbólicos cinco aros entrecruzados que conhecemos e que, contra o que erroneamente Brown afirma, não procedem da antiga Grécia. Quando o Barão de Coubertin, em 1896, conseguiu a restauração dos jogos, não adotou tal emblema. Somente em 1913, após a celebração de cinco olimpíadas, é que ele apresentou o conhecido logotipo, simbolizando os cinco países onde elas tinham acontecido. Parece que Coubertin pensava em acrescentar um anel a cada nova olimpíada, mas a irrupção da Primeira Guerra Mundial impediu os jogos até 1920, quando o símbolo já estava, por assim dizer, cristalizado e lhe foi dada uma nova interpretação: cinco continentes entrecruzados numa empresa de entendimento entre os povos.
41. Os templários começaram com o Priorado de Sião? Esconderam os restos de Maria Madalena e documentos a ela relacionados?
Dan Brown afirma que teriam sido os templários os iniciadores do tal “Priorado”, a fim de proteger os restos mortais de Maria Madalena, junto com uma ingente quantidade de documentos primitivos relativos a ela e à sua descendência. Tais objetos sagrados teriam sido escondidos “no templo de Salomão”, encontrados pelos cavaleiros, que lá se teriam estabelecido após a conquista de Jerusalém pelos cruzados.
Ora, os famosos cavaleiros, nas mãos de escritores inescrupulosos, se transformaram num mito recorrente na literatura esotérica e anticatólica. Mas vamos aos fatos.
Já vimos que é impossível ligar historicamente os templários com o Priorado de Sião, pois esse surge no século XX, e os templários foram extintos nos século XIV.
Os cristãos foram considerados, inicialmente, pelas autoridades do Templo (o segundo, o que conheceu Jesus, construído não por Salomão, que erigiu o primeiro, destruído por Nabucodonosor, mas por Herodes, o Grande), como hereges e perturbadores da ordem. Por isso, decretaram contra eles o herem, ou excomunhão. No ano 40, Herodes Antipas desencadeou perseguição aos cristãos, mandando matar o Apóstolo Tiago, o filho do Zebedeu. No meio de tão adversas circunstâncias, como seria possível enterrar Maria Madalena, membro destacado de uma “seita” condenada, nesse Templo? Pior ainda, se levarmos em conta que as mulheres estavam proibidas de aceder aos seus recintos internos, reservados para homens israelitas. Elas não podiam passar do “átrio das mulheres”.
No ano 70, após uma sangrenta rebelião dos judeus, os romanos conquistaram Jerusalém e destruíram o Templo. Será que os restos mortais da Madalena e a pilha de documentos que a ela se referiam se salvaram milagrosamente da destruição? Acrescente-se a essas dificuldades o fato de que, sobre as ruínas do Templo, os conquistadores romanos edificaram um outro, dedicado a Júpiter Capitolino, pois a cidade passou a se chamar Aelia Capitolina. Em 635, os árabes, convertidos ao islamismo, conquistaram Jerusalém. Demolido o templo pagão e as igrejas cristãs que o sucederam, os novos senhores construíram duas mesquitas, ainda existentes na atualidade: a de Omar ou da Cúpula Dourada, terminada em 691, e a de Al Aqsa. Quando, em 1099, os cruzados entraram triunfalmente em Jerusalém, não derrubaram as mesquitas, mas as transformaram em igrejas.
Os templários, porém, foram estabelecidos apenas em 1118. Impossível, portanto, que tenham fundado o Priorado, no mesmo ano da conquista, pois somente dezenove anos mais tarde é que passaram a existir. Ainda mais, o seu quartel nunca esteve no recinto do Templo, mas num terreno diferente, embora perto dele. Em 1187, Saladino reconquistou Jerusalém para os árabes. Em 1312, o Papa Clemente V, durante o Concílio de Vienne, sob forte pressão do Rei Filipe IV, o Belo, da França, decretou a extinção dos templários. Contra o que Brown afirma, não houve nenhuma execução deles em Roma, pelo simples fato de que Clemente, que, no momento da eleição, era Arcebispo de Bordeaux, ficou, durante todo o seu pontificado, em Avignon, no Sul da França. Quem ordenou a perseguição dos templários foi o Rei Filipe IV.
42. Constantino fundou o cristianismo?
Há grandes erros históricos sobre alguns personagens. Um exemplo é o modo como é apresentado o Imperador Constantino I, “o Grande” (285-337). Concedeu a liberdade ao cristianismo, tornando-o religião lícita, mediante o Edito de Milão (313), mas nunca o declarou religião do Estado. Tal coisa somente aconteceu com Teodósio I, o Grande, ao final do século IV . Durante a era constantiniana, o paganismo romano continuou a existir e o próprio Imperador continuou a exercer o cargo de Pontifex Maximus ou sumo sacerdote da religião pagã. Conservou, inclusive, as vestais, virgens dedicadas temporariamente a Vênus, sustentadas às custas do Estado. Parece que Constantino somente se converteu ao cristianismo e foi batizado no fim de sua vida, diferentemente de sua mãe, Santa Helena, fervorosa cristã, que peregrinou à Terra Santa marcando boa parte dos lugares referentes a Jesus.
É verdade que Constantino convocou o Concílio de Nicéia (325), a fim de conseguir a unidade entre as diversas facções cristãs. A esse propósito, Brown comete o absurdo em afirmar que, antes de Constantino, ninguém teria afirmado a divindade de Cristo. O Novo Testamento inteiro é prova de que se acreditava nisso muito tempo antes. Bastam, como exemplos, entre outros muitos, três textos: 1) o início do Evangelho de São João: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava junto a Deus e o Verbo era Deus (...) e o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1); 2) a Carta de São Paulo aos Filipenses: “Tende em vós aquele sentimento de Cristo Jesus: Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana” (Fl 2); 3) o trecho da Carta de São Paulo a Tito: “Aguardando a bendita esperança de nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo” (Tt 2). Além disso, poderiam ser citados os escritos do século II, como a Didaché, textos de Santo Inácio de Antioquia, São Policarpo de Esmirna ou São Justino, que defendem ardentemente a divindade de Cristo. E os mártires daqueles tempos: por que foram mortos? Precisamente por defenderem a divindade de Cristo. Dan Brown deve ter uma ignorância completa da literatura ou história cristã primitiva...
Mais: outro Imperador, Juliano I, apelidado de O Apóstata, reinou de 361 a 363 e tentou uma espécie de revanche do paganismo. Apesar do seu ódio contra os cristãos, nunca lançou qualquer acusação de eles terem deturpado a doutrina de Jesus. Ao contrário, sempre mostrou seu desprezo pelo Cristo, ao qual se referia sempre como “O Galileu”.
43. Foi Constantino que passou a guarda do sábado para o domingo?
No CDV podemos ler: “O cristianismo guardava o sábado judeu [sabbath], mas Constantino mudou o dia para coincidir com a veneração pagã do dia do sol [sunday – domingo]”.
Ora, o domingo era guardado pelos cristãos bem antes de Constantino: a) Inácio, bispo de Antioquia (110 d.C.), escreveu: “Se, então, aqueles que andam nas práticas antigas alcançam renovação de esperança, não mais guardando o sábado, mas moldando suas vidas após o dia do Senhor, no qual nossas vidas também surgiram através dele, é que nós podemos nos descobrir discípulos de Jesus Cristo, nosso único professor”. É uma alusão clara a que o “dia do Senhor, no qual nossas vidas também surgiram através dele” é o dia da ressurreição, ou seja, um domingo. b) Justino (150 d.C.) descreve o domingo como o dia em que os cristãos se reúnem para ler as escrituras e guardar sua assembléia, pois este dia é o primeiro da criação, e também o da ressurreição: “Reunimo-nos todos, no dia do sol, porque é o primeiro dia após o Sábado dos judeus, mas também o primeiro dia em que Deus, extraindo a matéria das trevas, criou o mundo e, neste mesmo dia, Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dentre os mortos”. c) A Didaché (ou ensino dos doze apóstolos) instrui os cristãos a que: “no dia próprio do Senhor, reúnam-se, partam o pão e agradeçam”. d) Outros testemunhos de Ireneu, Cipriano e Plínio, o Jovem, anteriores a Constantino, testificam que os cristãos adoravam o Senhor no domingo.
Logo, Constantino nada teve a ver com a idéia de se guardar o domingo.
44. O judaísmo aprovava sexo ritual? O nome de Deus representa uma união andrógina?
No Código da Vinci lê-se: “Os alunos judeus de Langdon sempre ficavam estupefatos quando lhes contava que a tradição judaica primitiva envolvia o sexo ritualístico. Dentro do Templo, nada menos que isso. Os primeiros judeus acreditavam que o Santo dos Santos do Templo de Salomão abrigava não só Deus como também sua poderosa consorte feminina, Shekinah. Os homens que buscavam integridade espiritual vinham ao Templo visitar sacerdotisas, com as quais faziam amor e experimentavam o divino através da união física. O tetragrama judaico YHWH – o nome sagrado de Deus – na verdade derivava de Jeová, uma união física andrógina entre o masculino, Jah, e o nome feminino pré-hebraico de Eva, Havah”.
Ora, qualquer estudioso do judaísmo e do cristianismo sabe que é exatamente o contrário! É Jeová que deriva de YHWH. A palavra YHWH significa “Eu sou”, e esse é o nome de Deus revelado a Moisés. A clássica forma de pronunciar essa palavra é YAHWEH. Durante muito tempo, os judeus não falavam o nome de Deus, como sinal de respeito e para evitar profanações. Em lugar de YHWH os judeus diziam Adonai, que significa Senhor. Muito depois alguns vocalizaram a palavra YHWH com as vogais de Adonai, originando assim a palavra Jeová.
Quanto ao Templo de Jerusalém: o Santo dos Santos do Templo de Salomão, onde ficava a Arca da Aliança, era um local onde só entrava o Sumo Sacerdote, uma vez ao ano, no dia da expiação, para derramar sangue de animal no propiciatório como remissão dos pecados do povo de Israel. Qualquer pessoa que ousasse entrar no Santo dos Santos, além do Sumo Sacerdote, era prontamente eliminada por Deus, segundo a crença judaica. A presença das mulheres estava restrita ao átrio externo do Templo, muito longe do próprio edifício.
Segundo o Antigo Testamento, Deus se manifestava como uma nuvem que cobria o tabernáculo. Os israelitas chamam a nuvem sobre o Santo dos Santos de Shekinah, que significa “a manifestação da presença de Deus”. Sendo assim, Shekinah não é a “consorte feminina” de Deus. E querer afirmar que aconteciam reuniões sexuais no Santo dos Santos é querer transformar o lugar mais sagrado do judaísmo num prostíbulo, sem qualquer referência histórica sobre isso. Ao negar a seriedade do culto do judaísmo, nega a própria história de formação do povo de Israel em torno da sua fé e do seu Deus.
E) MARIA MADALENA E “CASAMENTO DE JESUS”
45. O que sabemos de Maria Madalena?
Inicialmente, cabe observar que, nos Evangelhos canônicos, há três figuras femininas as quais, no imaginário popular acabaram por fundir-se. Uma é Maria de Betânia, irmã de Marta e de Lázaro; outra é Maria de Mágdala (ou Madalena); e outra, enfim, é a pecadora anônima que ungiu os pés de Jesus. A primeira é citada pelo nome apenas por Lucas e João. Os outros dois evangelistas citam o frasco de alabastro e o fato da unção em Betânia, mas sem mencionar o nome da pessoa que a realizou. Betânia, a que eles fazem alusão, é uma pequena aldeia bem próxima de Jerusalém e distante da Galiléia. Maria Madalena, por sua vez, é mencionada pelos quatro evangelistas, como alguém que se encontrava ao pé da cruz, no momento da morte de Jesus e que, na manhã da ressurreição, foi ao sepulcro, para ungir o corpo do Mestre. À parte de pertencer ao grupo de mulheres, que seguiram Jesus desde a Galiléia (a pequena cidade de Mágdala encontra-se nessa região), o único traço particular a seu respeito é fornecido por Marcos, o qual nos diz que dela “Jesus expulsara sete demônios” (Mc 16,9), e por Lucas, que afirma: dela “saíram sete demônios” (Lc 8,2). E a pecadora anônima citada apenas por Lucas, com o apelativo de “uma mulher”, sem nenhum traço de identificação com qualquer outro personagem do seu Evangelho. Há, porém, uma circunstância comum às três mulheres, que pode ter levado, numa análise superficial, a identificá-las: as três ungem a Jesus (a pecadora, nos pés; Maria de Betânia, na cabeça; Madalena, no corpo inteiro, no momento do sepultamento, coisa que teria feito mais uma vez, se tivesse podido, na manhã da ressurreição).
46. Existem provas ou indícios de um casamento entre Jesus e Maria Madalena? Jesus teve filhos?
Nem nos Evangelhos canônicos, nem em qualquer autor cristão dos primeiros séculos, há qualquer alusão ao suposto relacionamento marital entre Jesus e a Madalena. Tampouco existe nos Evangelhos apócrifos. Por isso, Dan Brown é incapaz de incluir qualquer citação literal desses escritos que levem a tal conclusão. E, durante toda a Antiguidade, não há um único traço documental de uma suposta descendência de Jesus. A cena narrada no quarto Evangelho, sobre o ato de Jesus de confiar a Virgem Maria a João (“e a partir daquela hora, o discípulo a acolheu na sua casa”), não teria sentido, se ele deixasse uma viúva, com a qual logicamente a mãe deveria ficar. Tenha-se presente que o evangelista fala explicitamente da presença de Madalena ao pé da cruz. Nem Jesus parece preocupar-se com o futuro dela, nem ela recebe o encargo de cuidar da Virgem Maria ou dos supostos filhos do casal.
47. Maria Madalena foi execrada ou diminuída em seu valor pela Igreja?
Maria Madalena, contra o que afirma Brown, sempre foi venerada na liturgia, tanto católica, quanto ortodoxa. Ainda mais, até à reforma litúrgica, posterior ao Concílio Vaticano II, a sua missa – fora das de Nossa Senhora – era a única de uma santa mulher na qual se rezava o credo, por ter sido a primeira testemunha da ressurreição e, por isso “Apóstola dos Apóstolos”. Aliás, nessa última reforma litúrgica, mais de trinta anos anterior a Brown, as palavras qui Mariam absolvisti do hino medieval Dies irae, dies illa, foram substituídas por peccatricem absolvisti, evitando a confusão de qualquer Maria com a pecadora absolvida por Jesus.
No seu afã de apresentar uma linhagem real, a partir de Madalena, Brown ignora por completo a tradição medieval francesa – conservada viva pelos ciganos – da chegada de Maria de Mágdala e outros discípulos a Saintes-Maries-de-la-mer, perto de Arles, na Provence, e de sua retirada posterior, como penitente e contemplativa, na chamada Sainte Baume, uma gruta, que ainda hoje é lugar de peregrinação. É supérfluo mencionar que tal tradição – a mais antiga a esse respeito – desconhece por inteiro qualquer descendência de Madalena.
48. Segundo Dan Brown, Jesus tinha que ser casado. É verdade?
É certo que alguns rabinos judeus pregavam essa idéia. Mas isso não era uma lei, nem era seguido por todos. Muitas pessoas, geralmente os profetas e os sábios judeus, viviam o celibato, p. ex., Jeremias, Elias, João Batista, alguns apóstolos de Jesus, Paulo, etc. Por que Jesus seria diferente? Até mesmo o judeu rabino Galileu Pinhas Ben Yair, religioso devoto do século II, ensinou que a abstinência sexual era essencial para se receber a sabedoria profética.
Ademais, não podemos esquecer os monges essênios (os responsáveis pelos manuscritos do Mar Morto), que eram todos celibatários. Além desses, há relatos de um outro grupo de celibatários judeus contemporâneos de Jesus, formados por homens e mulheres.
Dessa forma, vemos que nenhum decoro social da época obrigava os judeus a se casarem. Alguns rabinos o faziam, mas certamente eles não eram seguidos pelos demais.
Um dos maiores exemplos da possibilidade de ser solteiro, na comunidade judaica da época, é o apóstolo Paulo. Ele era celibatário e o afirmou em seus escritos (1Cor 7, 26-28). Paulo assevera ter o direito de ser casado, embora não o fosse, e cita como exemplo alguns apóstolos de Jesus que eram casados. Ora, se Jesus fosse casado, Paulo o teria usado também como um exemplo, seria o seu maior exemplo; mas, se não o citou, é porque Jesus era celibatário: “Não temos nós o direito de levar conosco uma esposa crente como fazem os outros apóstolos, os irmãos do Senhor e Pedro?” (1Cor 9,5). Além disso, para Paulo e toda a tradição teológica posterior, a Esposa de Cristo é a Igreja (cf. Ef 5).
Um outro ponto, que faz cair por terra a afirmação de Brown, é que, segundo ele, Jesus seria casado para seguir o costume da época. Jesus contrariou muitas expectativas e quebrou os protocolos que julgou necessários, nunca se deixando levar por vãs tradições: falava com os pecadores; tomava refeições com prostitutas e cobradores de impostos; os apóstolos eram homens comuns e pobres; atacou os comerciantes do templo; desafiou os doutores da lei judaica; etc.
49. A Igreja, como afirma Brown, vê o sexo com maus olhos?
Para a Igreja, o sexo é algo querido por Deus. Se não o fosse, ele não seria parte da natureza humana. O que a Igreja prega é a abstinência sexual antes e fora do casamento. A Igreja entende que o ato sexual é reservado aos casados. Mas isso não quer dizer que o ato sexual é visto como um mal em si.
Assim versa o Catecismo da Igreja Católica, documento oficial que resume a doutrina católica: “Os atos com os quais os cônjuges se unem íntima e castamente são honestos e dignos. Quando realizados de forma verdadeiramente humana, significam e favorecem a mútua doação pela qual os esposos se enriquecem com o coração alegre e agradecido. A sexualidade é fonte de alegria e de prazer. O próprio Criador estabeleceu que nessa função (i.é, de geração) os esposos sentissem prazer e satisfação do corpo e do espírito. Portanto, os esposos não fazem nada de mal em procurar este prazer” (n. 2362).
F) OS APÓCRIFOS E OS EVANGELHOS
50. Os Evangelhos da Bíblia foram fraudados, como afirma Dan Brown?
Absurdamente, Dan Brown assevera que os Evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João) foram fraudados, de modo a divinizar Jesus, apagar a figura de Maria Madalena, como líder dos cristãos, e colocar os apóstolos como líderes da Igreja. Ora, tal afirmação é facilmente desmentida, quando conhecemos a origem dos Evangelhos e sua autenticidade.
Sabemos que os originais dos Evangelhos foram perdidos devido à fragilidade do material em que foram escritos, o papiro ou o pergaminho. O que temos hoje dos Evangelhos são cópias desses originais chamados papiros (os mais antigos), códices maiúsculos (escritos em códigos maiúsculos), códices minúsculos (escritos em códigos minúsculos) e os lecionários (textos para a liturgia), além das citações nos escritos dos primeiros autores cristãos (como, p. ex., Clemente Romano).
São cerca de 5240 manuscritos comprovados como autênticos pelos especialistas. Tais manuscritos estão distribuídos pelo mundo, em vários centros de pesquisas ou museus, e a maioria deles não está sob poder da Igreja Católica. Existem escritos na Filadélfia, Florença, Viena, Paris, Londres, Estrasburgo, Berlim, Londres, Cambridge, Moscou, São Galo, Oxford, Gênova, New York, Cairo, etc. Só há um código, datado do século IV, no Vaticano. Os documentos estão à disposição dos pesquisadores. A Igreja não tem o poder de decidir quem estuda sobre eles. Portanto, se há alguma fraude, ela poderia ser descoberta. E há uma admirável concordância entre as cópias, mesmo considerando os naturais equívocos de leitura e escrita.
De todos esses manuscritos, o mais antigo é o papiro de Rylands, conservado em Manchester (Inglaterra). Ele é aproximadamente do ano 120 e contém parte do Evangelho de João. O original foi escrito por volta do ano 100. Dessa forma, muito provavelmente, temos uma cópia do próprio original. Quanto às cópias dos outros escritos do Novo Testamento, eles datam dos séculos III ao VI (os originais foram escritos por volta do século I, alguns provavelmente anteriores aos próprios Evangelhos).
Ou seja, dos escritos do Novo Testamento temos cópias muito próximas dos originais, o que não sucede com outras obras relativamente próximas em data de redação. Se os compararmos com clássicos da literatura, vemos que as cópias que sobreviveram são muito mais distantes dos originais do que as cópias dos Evangelhos canônicos. Por exemplo, os escritos de Virgílio distanciam-se da primeira cópia em cerca de 350 anos; os de Júlio César, em cerca de 900 anos; os de Platão, em cerca de 1300 anos; os de Eurípides, em cerca de 1600 anos. Ninguém questiona se esses escritos foram fraudados.
51. Dan Brown foi o primeiro a levantar a questão sobre a autenticidade dos Evangelhos canônicos?
Não. Os racionalistas dos séculos XVII e XVIII se empenharam em destruir a autenticidade dos Evangelhos. Querendo mostrar que os Evangelhos eram uma farsa, estudaram-nos durante muito tempo, tendo a certeza de que iriam provar ao mundo serem eles as “grandes mentiras” da Igreja. A que conclusões chegaram? Com suas próprias palavras: “Admito como autênticos os quatro Evangelhos canônicos” (Renan, racionalista francês); “O caráter absolutamente único dos Evangelhos é, hoje em dia, universalmente reconhecido pela crítica” (Harnack, racionalista alemão); “Os Evangelhos são, pela análise crítica, os que detêm a mais privilegiada posição que existe” (Streeter, crítico inglês); “As sete oitavas partes do conteúdo verbal do Novo Testamento não admitem dúvida alguma. A última parte consiste, preliminarmente, em modificações na ordem das palavras ou em variantes sem significação. De fato, as variantes que atingem a substância do texto são tão poucas, que podem ser avaliadas em menos da milésima parte do texto. (...) Trabalhamos febrilmente durante 50 anos para extrair as pedras da cantaria que servirão de pedestal à Igreja Católica?” (Hort e Westcott, exigentes críticos do século XIX).
52. O que são os escritos apócrifos da Bíblia?
No CDV há algumas referências sobre os livros apócrifos. Brown afirma que a Igreja ignorou totalmente esses livros porque eles seriam a prova de que Jesus não era divino, foi casado com Maria Madalena e não quis fundar nenhuma religião.
Ora, trata-se de livros escritos em imitação aos livros canônicos da Bíblia e que, para a seita que o aceitava, presumem a mesma autoridade, apresentando em adendo uma revelação, depois de ter ficado por muito tempo oculta, donde lhe vem o nome (apócrifo, em grego, quer dizer oculto). Alguns dos apócrifos são fantasiosos, outros até podem ter algumas informações verdadeiras, mas fogem demais da idéia central da Bíblia: a mensagem de Jesus Cristo. Por isso a Igreja não os considerou inspirados e não os colocou na Bíblia.
Os livros apócrifos são classificados segundo os dois Testamentos. Como fontes históricas para a Bíblia ou para a Revelação cristã, os livros apócrifos têm pouco ou nenhum valor. Entretanto, eles são muito úteis para reconstruir as crenças populares do judaísmo, na época do Novo Testamento, e para identificar certas correntes heréticas obscuras do cristianismo incipiente. Podem ser citados como exemplos de apócrifos do Antigo Testamento: Livro dos jubileus; Livros de Adão e Eva; Martírio de Isaías; Livros de Enoc; Testamento dos doze patriarcas; Assunção de Moisés. Os do Novo Testamento costuma-se dividi-los em evangelhos da infância (Ev. de Tiago, Ev. de Tomé, História de José), evangelhos da paixão (Ev. de Pedro, Ev. de Nicodemos), evangelhos gnósticos (outro Ev. de Tomé, Livro de João Evangelista, Ev. de Filipe, Ev. de Maria Madalena), atos (Atos de Paulo, Atos de Pedro, Atos de André, Atos de Tomé), epístolas (Ep. de Abgar, Ep. aos laodicenses, Paulo e Sêneca) e apocalipses (Ap. de Pedro, Ap. de Paulo, Ap. de Tomé).
53. A Igreja ignorou totalmente os apócrifos?
A Igreja Católica nunca ignorou totalmente os apócrifos. Alguns deles, embora não considerados como divinamente inspirados, reforçam várias crenças da Igreja, tais como: a descida de Jesus aos infernos ou à mansão dos mortos, a Virgindade perpétua de Maria, a Assunção corporal de Maria, etc. Além disso, os apócrifos transmitem os nomes dos pais de Maria – Joaquim e Ana – venerados como santos; a Apresentação de Maria no Templo, aos três anos de idade, celebrada na Liturgia; o Nascimento de Jesus numa gruta com a presença do boi e do burro; os nomes dos três magos, tidos como reis – Gaspar, Belchior e Baltasar; os nomes dos dois ladrões crucificados com Jesus, Dimas e Gesta; o nome do soldado ou centurião que abriu o lado de Jesus, Longino; a história de Verônica, que teria enxugado o rosto de Jesus.
O cânon bíblico (a lista dos livros inspirados) tal como é hoje, com seus 73 livros, foi explicitamente definido em 393, no Concílio regional de Hipona. A mesma definição foi repetida pelos Concílios de Cartago III (397), Cartago IV (419), de Florença (1442), de Trento (1546) e Vaticano I (1870).
Mas há ainda apócrifos que desmerecem qualquer credibilidade. Sempre a Igreja distinguiu os dados que poderiam ser úteis daqueles cuja origem era o gnosticismo, herética, portanto. Segundo Orígenes, Santo Ireneu já afirmava: “A Igreja só tem quatro Evangelhos, os hereges muitíssimos”. Basta ler o famoso escrito de Santo Ireneu, Adversus haereses (180), para conhecer as muitas seitas heréticas dos primeiros tempos.
Um exemplo de falta mínima de credibilidade é o chamado Evangelho de Barnabé. Estudos provam sua falta de autenticidade, revelando características medievais neste livro, mostrando que provavelmente esse apócrifo se baseou em Dante (são inúmeras as coincidências entre os 2 autores). Há, ainda, no apócrifo de Barnabé inúmeros erros geográficos e históricos em relação à Palestina. Fala de Jesus chegando a Nazaré e Jerusalém de barco! Para fazer tal afirmação, somente alguém que nunca esteve na Palestina ou nunca estudou o mínimo sobre a geografia do local. O autor do Evangelho de Barnabé também registra erros históricos (p. ex., quando afirma que houve uma grande revolta em toda a Judéia por causa de Jesus).
Há ainda apócrifos referindo que Jesus, quando criança, incinerava seus colegas de brincadeiras, quando estes esbarravam nele, ressuscitando-os em seguida.
54. E quanto aos apócrifos mencionados por Dan Brown?
O autor do CDV menciona, em especial, dois apócrifos: O evangelho de Filipe e o evangelho de Maria Madalena. Brown afirma que esses escritos foram descobertos em Nag Hammadi, na década de 50. Esses evangelhos apócrifos foram descobertos na década de 40 e não na década de 50. Brown manipula os dados: ele cita os já mencionados evangelhos apócrifos de Filipe e de Maria Madalena, mas não cita um outro evangelho apócrifo, o de Tomé, que também foi encontrado em Nag Hammadi, na mesma época. Por quê? É que, se Brown mencionasse esse escrito, toda a sua teoria de que Jesus quis elevar Maria Madalena como deusa feminina cairia por terra. No apócrifo de Tomé, lemos que Jesus teria dito que transformaria Maria Madalena em um homem, para que ela pudesse fazer parte da Igreja: “Simão Pedro disse a eles: Que Maria se afaste de nós, pois as mulheres não merecem viver. Jesus disse: Ó conduzi-la-ei, para que eu possa torná-la homem, para que ela possa também se tornar espírito vivente, à semelhança de vós, homens. Pois toda mulher que se fizer homem entrará no reino do céu”. A saída de Brown, para apagar essa contradição entre os apócrifos, foi simplesmente esquecer o apócrifo de Tomé. No livro CDV há referências de que todos os apócrifos podem ser verdadeiros. Mas como, se entre eles há muitas contradições?
Dan Brown fala do apócrifo de Filipe como sendo referência para o “casamento” de Jesus e Maria Madalena. Cita trechos do apócrifo de Maria Madalena, mas este não fala que Jesus e Maria Madalena eram “casados”, apenas relata que Madalena conhecia alguns segredos de Jesus. Se os apócrifos, que Dan Brown cita, são verdadeiros, como, num deles, pode haver referência sobre o “casamento” de Jesus e, em outro (escrito pela suposta “esposa” de Jesus), não haver alusão clara a isso? Será que Maria Madalena não citaria em seus escritos (se é que ela sabia escrever) que ela era casada com Jesus, se assim o fosse?
Dan Brown afirma que, no apócrifo de Filipe, está escrito que Jesus provocava ciúmes nos apóstolos, pois beijava Maria Madalena constantemente na boca. Pura invenção! O apócrifo de Filipe foi danificado pela ação do tempo, faltando fragmentos nesse pergaminho. A única coisa que podemos ler neste trecho deste apócrifo é (as partes entre colchetes são ilegíveis no original): “E a companheira de [...] Maria Madalena [amou] a ela mais que a [todos] os discípulos e [costumava] beijá-la [sempre] na [...]”. Onde Brown afirma estar escrito boca, poderia muito bem estar escrito face, testa, mão. Mas claro, se Brown não usasse a palavra boca, ele não criaria polêmica.
Outro erro crasso: Dan Brown afirma no CDV, ainda sobre esse trecho do apócrifo de Filipe: “Como qualquer estudioso do aramaico poderá lhe explicar, a palavra companheira naquela época literalmente significava esposa”. Mas o evangelho de Felipe foi escrito em copta (egípcio) e não aramaico. Sem contar que a palavra referida Koinonos, que é palavra grega e não aramaica, significa amizade, comunidade, companheirismo. Se a intenção fosse afirmar um casamento, a palavra mais usada seria gyné, que significa esposa.
Mais: o apócrifo de Filipe afirma que Jesus mudava de aparência para se apresentar a certas pessoas; diz que não se deve rezar no inverno, porque o inverno é o mundo, e o verão é o outro mundo e pior; afirma que só as mulheres virgens entrarão no paraíso. Além disso, o apócrifo de Filipe não data de jeito nenhum do século I. Os estudiosos o datam do século III, cerca de 200 anos após Jesus ter vivido.
Outro apócrifo, citado no CDV, é o de Maria Madalena. É um documento gnóstico que não reflete a realidade encontrada entre os judeus palestinos do século I (o gnosticismo acredita que Jesus não se encarnou, mas que o espírito de Cristo se apossou dele, no seu batismo, e o abandonou na sua morte). Os fragmentos mais antigos datam do século III, e a maioria dos estudiosos não o datam de antes de 180-200. Logo, não foi escrito por Madalena.
Um grande equívoco de Dan Brown consiste no fato de que usa os escritos gnósticos para os fazer dizer exatamente o contrário do que eles dizem. Eles pertencem à literatura gnóstica dos séculos II e III. A visão gnóstica é um misto de dualismo platônico e de doutrinas orientais, revestido de idéias bíblicas. Defende que o mundo material é uma ilusão, obra do Deus do Antigo Testamento, que é um Deus mau, ou pelo menos inferior; Cristo não morreu na cruz, porque nunca assumiu, a não ser aparentemente, um corpo humano, sendo ele indigno de Deus (docetismo).
G) A DIVINDADE DE JESUS
55. Como afirma Dan Brown, somente depois do Concílio de Nicéia (325) é que Jesus Cristo foi considerado como Filho de Deus?
Segundo o CDV, Jesus foi considerado um ser humano comum, e só a partir do Concílio de Nicéia, em 325, passou-se a considerá-lo como Filho de Deus. Ora, muitos escritos mostram o contrário. Jesus sempre foi considerado divino pelos cristãos. Além da resposta à pergunta 42, basta ver que todos os apóstolos de Jesus foram martirizados exatamente por afirmarem que ele é o Filho de Deus e ressuscitou dos mortos. Biblicamente é indiscutível a idéia da divindade de Jesus.
Fontes cristãs não-bíblicas também provam que Jesus era considerado como Deus, antes do Concílio de Nicéia. Por exemplo, Santo Inácio de Antioquia, martirizado por sua fé em cerca de 117, chamou Jesus de Deus: “Pois o nosso Deus, Jesus o Cristo, foi concebido no ventre de Maria”.
Há ainda escritos de autores não-cristãos os quais mostram que Jesus já era cultuado como ser divino, bem antes do Concílio de Nicéia: “Os cristãos estavam habituados a se reunir (...) e cantar um cântico a Cristo, que eles tinham como Deus” (Plínio, o Jovem, foi governador romano da Bitínia, no ano 112); há uma carta hostil sobre o cristianismo que afirmo: “Os cristãos, como todos sabem, adoram um homem até hoje - o distinto personagem que iniciou seus novos rituais – e foi crucificado por causa disto” (Luciano de Samosata, no ano 170); “Próximo a essa época viveu Jesus, um homem, se de fato podemos chamá-lo homem. Pois ele foi alguém que realizou feitos surpreendentes e ensinou as pessoas que aceitavam alegremente a verdade. Ele atraiu muitos judeus e gregos. Era o Messias” (Flávio Josefo (37-100), um famoso historiador judeu).
Segundo as palavras do próprio Cristo, ele é Deus: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). Aliás, por que Jesus morreu? Por se dizer Deus! Se não era o que dizia, ou era mentiroso (e louco, por morrer por uma mentira sobre si mesmo), ou um louco (como aqueles que se imaginam Napoleão). Ele morreu por dizer que era Deus! E, para os cristãos que conhecem minimamente a sua fé, realmente o é, com o Pai e o Espírito Santo. E muitíssimos morreram ou sofreram por crer e proclamar isso. Afinal, puseram em Jesus Cristo sua única verdadeira esperança: “Quem crer em mim, ainda que esteja morto viverá. E eu o ressuscitarei no último dia”.
H) OUTROS ERROS
56. Há mais erros ainda no CDV?
Além os principais equívocos cometidos por Brown, o que já desqualifica totalmente seu livro, ainda podemos citar, p. ex., outros deslizes: Dan Brown afirma erroneamente que Godofredo de Bouillon, um dos líderes da Primeira Cruzada, era “um rei da França”; a vida de Jesus teria sido “registrada por milhares de seguidores em todo o mundo” (Jesus não tinha sequer milhares de seguidores fixos e muito menos letrados); é fictício “mais de 80 evangelhos foram estudados para compor o Novo Testamento”; não há base história para a afirmação de que “a Igreja matou mais de cinco milhões de mulheres”.
I) A POSIÇÃO DA IGREJA
57. Qual a posição da Igreja sobre o CDV?
Até o momento, a Santa Sé não se pronunciou oficialmente sobre o livro ou o filme.
Há a manifestação do Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que é a seguinte:
“A difusão do livro O Código Da Vinci, de Dan Brown, e do filme baseado sobre a obra, tem suscitado em muitas pessoas perplexidades, dúvidas e confusão a respeito de algumas verdades fundamentais da fé cristã referentes a Jesus Cristo e à Igreja.
A CNBB, consciente de sua responsabilidade em relação à defesa da verdadeira fé da Igreja, vem a público para prestar alguns esclarecimentos.
Não devemos esquecer que a obra em questão é de ficção e não retrata a história de Jesus, nem da Igreja. Não se pode atribuir verdade às afirmações claras ou veladas do autor. O que é fantasia deve ser lido e entendido como fantasia. As únicas fontes dignas de fé sobre a vida de Jesus e o início da Igreja são os textos do Novo Testamento, da Bíblia. A história da Igreja, depois dos apóstolos, está retratada em obras de caráter histórico, cujas afirmações são respaldadas pelo rigor do método histórico.
Alertamos, portanto, que a obra, no seu gênero fantasioso, apresenta uma imagem profundamente distorcida de Jesus Cristo, que está em contraste com as pesquisas e afirmações de estudiosos de diversas áreas das ciências humanas, da teologia e dos estudos bíblicos, ao longo de dois mil anos de história do cristianismo.
É lamentável que a obra, com roupagem pseudocientífica, se ponha a versar de maneira leviana e desrespeitosa sobre convicções tão sagradas para os cristãos. Muitos cristãos sentem-se feridos em sua fé e nas convicções que lhes são profundamente caras. Outras pessoas são induzidas à dúvida sobre verdades da fé pregadas pela Igreja, desde sua origem, e transmitidas de geração em geração, com zelosa fidelidade à doutrina dos apóstolos. Ainda outras são levadas, inclusive, a levantar suspeitas sobre a honestidade da Igreja nas afirmações de fé sobre Jesus Cristo, seu divino fundador.
Diante disso, afirmamos, com toda convicção, que a Igreja, de forma alguma, ocultou no passado, nem oculta no presente, a verdade sobre Jesus Cristo e sobre a origem dela própria. A Igreja não pode deixar de afirmar o sagrado patrimônio das verdades a respeito de Jesus Cristo e sobre si mesma, que ela recebeu dos apóstolos.
Convidamos todos a lerem os Evangelhos e demais textos do Novo Testamento da Bíblia, para encontrarem aí a imagem de Jesus Cristo, assim como é anunciada pela pregação da Igreja desde as suas origens. Por outro lado a leitura de algum bom livro de história da Igreja – e existem muitos! - poderá ajudar a conhecer a verdade histórica sobre a Igreja, que não é oculta nem subtraída ao conhecimento de quem quer que seja”. Assina o Cardeal Geraldo Majella Agnelo, Arcebispo de São Salvador da Bahia, Presidente da CNBB.
CONCLUSÃO
58. Resumindo: o que dizer então do CDV?
O CDV baseia-se num coquetel que mistura lendas, paganismo disfarçado, documentos falsos e deturpações da verdade, afronta diretamente o cristianismo. Como há muita gente que mais se interessa pela novidade que pela verdade, pena, são levados a crer que Jesus, na realidade, nunca foi crucificado, nem é Deus que se fez homem, e que casou com Maria Madalena e fugiu para a França, que a Igreja Católica escondeu esse segredo, que o Opus Dei é uma organização criminosa. Pena que pessoas que nunca se dedicariam a ler uma análise séria das tradições históricas sobre Jesus, lêem mais de 400 páginas de bobagens e sentem-se fascinadas por teorias requentadas com novos temperos. Dan Brown é um autor de literatura de consumo que encontrou um tema polêmico para faturar dinheiro.
O próprio autor comenta: “Todo mundo adora uma conspiração”. Em outras palavras: uma conspiração vende fácil, mesmo sendo inverossímil, mesmo sendo caluniosa. Em outra passagem do livro, o editor do “herói” o adverte: “Você é historiador de Harvard, e não um autor de literatura de consumo procurando um tema polêmico para faturar uma grana”. A frase, invertida, se aplica exatamente ao livro e a seu autor: “Você é um autor de literatura de consumo, procurando um tema polêmico para faturar uma grana, e não um historiador de Harvard”.
O CDV é uma obra muito malfeita, sem nenhuma pesquisa séria e sem nenhum dado consistente. Pode-se afirmar que se trata de uma obra de ficção, mas com estilo de aula de história da arte, história universal e história das religiões, sem base em fatos e até propositalmente mentirosa. Ao final, o leitor ingênuo e desavisado fica com uma má impressão difusa e amarga da Igreja Católica, apresentada como uma monstruosa organização empenhada em enganar a humanidade, “demonizar o sexo”, e rebaixar a mulher. Para milhares de jovens e adultos, esta novela será seu primeiro, e talvez único contato com a história antiga da Igreja, uma história regada pelo sangue dos mártires, pelo exemplo dos santos, pela palavra dos evangelistas, apologetas, filósofos e Padres.
Não pode ser surpresa que a crítica tenha sido implacável: “Este livro é, sem dúvida, o mais tolo, inexato, mal-informado, estereotipado, desarrumado e popularesco exemplar de pulp-fiction” (The Times); “Um insulto à inteligência” (The NY Times); “Erros crassos que só não chocam um leitor muito ingênuo” (New York Daily News).
O fato é que Jesus Cristo torna a ser vendido, já não por trinta moedas, mas por centenas de milhões de dólares. O CDV merece protestos, não só da fé, mas da razão e do bom senso. É inegavelmente uma história oportunista, anticristã, anticatólica e antiverdade. E só podem os cristãos e católicos ficar ofendidos. Ora, para muitos, Jesus não é qualquer idéia, mas única esperança: “A quem iríamos nós? Só Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6).
Aos cristãos algo entusiasmados com o livro ou o filme vale o aviso de Dante: “Cristãos, movei-vos com mais severidade: não sejais como penas ao vento, e não penseis que todas as águas vos lavem. Sede homens, e não ovelhas enlouquecidas”. São Paulo já avisava 2Tm: “Porque virá o tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina. Desejosos de ouvir novidades, escolherão para si uma multidão de mestres, ao sabor das suas paixões, e hão de afastar os ouvidos da verdade, aplicando-os às fábulas”.

Pergunte ao Padre - Código Da Vinci
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